Havia Julieta, uma mulher preta que passava toda a roupa da família. Passava como ninguém, a gola das camisas, os punhos, tudo engomado, sem uma dobra. Dava dó usar as camisas passadas por Julieta. Ela era tão antiga que chamava o ferro de ferro elétrico. Isso porque havia o elétrico, moderno, e o ferro à brasa, o que ela usava em casa. Julieta casou com Manuel que, em pouco tempo, passou a ser conhecido como Manuel de Julieta. Julieta e Manuel tiveram o Manuelzinho numa época em que não havia cota, não havia hip nem hop nem rap. Julieta morava na periferia de Belo Horizonte, numa casa imaculadamente limpa e arrumada. De vez em quando íamos tomar café na casa dela, sábado à tarde. A família toda. Ela preparava o melhor café do mundo que era servido em xícaras colorex. Ela servia broa de fubá, bolinho de chuva e torradinhas feitas na hora. A casa de Julieta era um primor. Ela espalhava pelos móveis da sala paninhos bordados à mão, vasinho de flor de plástico, bibelôs e na parte havia uma Santa Ceia e uma foto dos pais, colorida à mão. Havia também um pequeno altar com uma imagem de São Benedito, sempre iluminada. Um dia Manuel separou-se de Julieta, diziam as más línguas, em troca de uma mais nova. Julieta segurou a barra e Manuelzinho chegou a universidade. Virou doutor e comprou uma casa melhor para ela, completa. Com alpendre, quintal, armários de aço na cozinha e uma televisão em cores. Julieta daria um livro, ou uma crônica maior. Um dia certamente vai dar. Vou falar de suas tranças perfeitas, nada de chapinha, nada de esticar o cabelo, como diziam. Queria ver Julieta hoje, não tivesse morrido há muitos anos. Uma preta cem por cento que só me chamava de Betinho.