Há seis meses estou aqui matutando como arrumar todos esses livros na biblioteca. Já pensei em tudo. Tirar um por um, espanar, catalogar. Já pensei em separar por assuntos, por ordem alfabética do autor, ordem alfabética do título. Já pensei até em eliminar uns, doar, encadernar outros, os estropiados indispensáveis. Há seis meses penso nisso. Só penso, nunca coloquei a mão na massa. Andei bisbilhotando prateleiras que não via há muito tempo. Achei a primeira edição de Fazenda Modelo, do Chico, lá dos anos 1970. Achei o primeiro livro que li, Voo Noturno, vôo ainda com acento circunflexo, de Antoine de Saint-Exupéry, já quase desmanchando as páginas. Achei o Miséria da Filosofia, de Karl Marx, que tantas histórias guardam, motivo de crônicas e palestras Brasil afora. A coleção Encanto Radical, que começou com o Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva, está toda espalhada: Morangos Mofados, do Caio Fernando Abreu, ao lado de Um Café para Sócrates, de Marc Sautet. O que Dentes ao Sol, de Ignácio de Loyola Brandão está fazendo agarradinho ao lado dos poemas de T.S. Eliot? Já pensei em pagar uma bibliotecária pra por ordem no galinheiro. Só pensei. De vez em quando fecho os olhos e passo a mão num livro aleatório, o primeiro que me vem à vista: Ontem à noite foi Soltando os Cachorros, de Adélia Prado. Comecei a ler: Quarenta anos é demais pra uma mulher. Prefiro quarenta e dois. O Papa tá passando pito nos jesuítas; plantei um pé de samambaia chorona que não vai pra frente de jeito nenhum. Galinho garnizé é galinho à toa, atrevimento empenado. E fui lendo, e fui lendo e pensei com os meus botões: pra quê biblioteca organizada?
Organizei minha biblioteca contratando uma amiga, que demorou 2 meses para classificar e catalogar 6.478 livros e revistas. Descartei uns 300. Valeu a pena, pois agora sei o que tem e estão todos à mão, separados por grupos e em ordem alfabética. E todos numa lista, no computador.
Como foram livros que fui juntando ao longo de 50 anos, muitos deles não li ainda, outros eu li e esqueci, alguns ainda quero ler e reler.
Mas me faltará vida para tanto.
Quando começou a “moda” da palavra “desapego”, um dia decidi limpar tudo em que evitava mexer por saber que, ao final da arrumação, haveria duas ou três coisas eliminadas, no bom sentido, e o restante organizado novamente, claro, por algum tempo.
Como em outras ocasiões, levei quatro domingos nisso. E, mais uma vez, chegou a vez dos livros. Antes, nem chegava perto. Desta vez, me determinei a ir em frente. E foram mais seis dias seguidos, sem parar, num fôlego só. E além de duas estantes abarrotadas até o teto, criei mais uma, de caixotes, em um quarto subutilizado que virou xodó. Os caixotes ocupam agora três paredes! 😃. Assim foi que descobri o seguinte Villas: para muitos de nós é mais fácil desapegar de quase tudo, desde que não seja livro, CD, coleções de filmes, revistas, jornais!!!! Ah, sim, e finalmente mandei encadernar pilhas e pilhas de meus jornais.
É nossa vida, nossa história. São todos meus amigos, vão ficar lá me esperando, me enchendo os olhos, a mente e a alma sempre que eu quiser. O saldo dessa aventura foi: sim, me senti mais leve, dei mais valor a mim mesma e a tudo que vivi, produzi e li. E criei um cantinho pra continuar apaixonada por eles eternamente. Nesse cantinho, posso ler e ouvir um velho LP, posso ver filmes e reler todos os clássicos. Arrume sim, vc vai ver que delicia! Parabéns pelo trabalho! Já sou leitora aqui. Queremos mais, vá em frente. 👏👏👏👏👏👏🌷