Pimenta nunca poderia ter feito aquele gol aos 58 segundos do primeiro tempo. Pimenta era ruim de bola, não sabia driblar, chutava fora os pênaltis, mas naquele dia ele foi certeiro. O juiz apitou o início do jogo, Nenenzinho passou a bola pro Pimenta que soltou um Exocet dos pés e foi parar bem no anglo do meu gol. Sim, eu era o goleiro do time da Rua Rio Verde. Vestia uma camisa preta com o número 1 nas costas, calção e meias pretas, uma sunga Big por debaixo. Luvas e joelheiras, chuteiras da melhor qualidade. Estava devidamente paramentado para ser o campeão do Bairro do Carmo naquele 1960. O campo era de terra batida, as traves feitas de bambu, rede não havia. Se Barbosa sofreu em 1950, dez anos depois fui eu, totalmente desmoralizado aos 58 segundos do primeiro tempo. Não vi a bola passar e, caído no chão previa um dez a zero fácil fácil. A vida é assim. Em menos de um minuto, mudei o rumo da minha vida. Nunca mais peguei no gol, nunca mais vesti aquele uniforme preto, bonito, novinho. Desisti de ser goleiro e comecei a pensar em ser piloto de Fórmula 1.
[ilustração Andrea Serio]
Outro texto excelente. Você está saindo um cronista digno dos mineiros Drummond, Otto Lara Resende, Sabino e Rubem Braga. Aliás Rubem Braga tem um crônica sobre meu avô chamada “Cuspir”,quando ele (imigrante holandês e comunista), já meio alcoolizado viu aí em São Paulo um carro transportando o Gregório Fortunato, deu aquela cusparada no vidro do carro. Foi preso e apanhou que nem boi ladrão. Como trabalhava como gráfico dos Diários Associados, o Chateaubriand, pessoalmente, foi à delegacia tirá-lo das grades.
Sei que saí do tema de sua maravilhosa crônica, mas ao pensar nos cronistas e lembrar do Rubem Braga, resolvi lhe contar esse episódio.
Abraços,
Laerthe (um carioca abrigado nas montanhas de Lavras, MG)