Eu tinha muito medo de ambulância, da sirena, da velocidade com que ela passava se desviando dos carros, quase capotando. Aquela camionete me dava pavor porque eu ficava imaginando o que se passava ali dentro daquelas quatro paredes de lata ou ferro, sei lá. Nunca entrei numa, nem pra visitar, conhecer. Mas sei que tem uma maca, balão de oxigênio, todos os apetrechos de primeiros socorros. Sei que cheira a álcool. Eu sempre achei que quando uma ambulância passa piscando vermelho, fazendo barulho, tem alguém à morte lá dentro. Só me vem à cabeça um ataque cardíaco, enfermeiros fazendo massagem no coração, respiração boca a boca e a aflição do trânsito que não anda. A ambulância faz sempre o caminho entre a vida e a morte. Pode não chegar ao seu destino final, como pode. Hoje, moro em frente ao Hospital Sorocabana, na Lapa, em São Paulo. Improvisaram trinta e seis leitos de UTI exclusivos para enfrentar o coronavírus. Daqui de cima, fico observando o movimento das ambulâncias que vão chegando, uma atrás da outra. Não é mais ataque cardíaco, agora é um vírus. Ontem tinham quatro estacionadas na porta, com a luz vermelha piscando. Fiquei imaginando se esperavam leito. Talvez. Algumas pessoas passam na calçada com a máscara no queixo ou no bolso, indiferentes com o vermelho refletindo nas folhas das árvores. De noite, no Jornal Nacional, fico sabendo das 806 mortes do dias. Algumas, talvez aqui, pertinho de mim.