EU QUERIA SER UM DRONE

A gente dizia que queria ser uma mosca para estar ali presente naquela reunião de família discutindo herança, ou uma mosca para estar ali naquela reunião da firma discutindo promoções. Olho pela janela do meu apartamento e vejo apenas um tiquinho da cidade, um pedaço ínfimo, uma rua, um hospital do outro lado, ambulâncias chegando numa quantidade bem maior do que sempre foi. Vejo umas seis árvores balançando as folhas pela força do vento, dois táxis brancos parados no ponto, pessoas que passam de tempos em tempos, uns usando máscaras, outros não, uns passeando com o cachorro, outros falando ao celular. Nada de excepcional. Queria ter uma visão mais ampla da cidade, ruas mais movimentadas, avenidas, bulevares, becos, ruas sem saída, queria ver tudo. As idosas varrendo calçadas às seis e meia da manhã, por exemplo. Do lado direito, vejo um imenso prédio que construíram no lugar de uma antiga escola técnica com mensalidade bem barata. É um prédio estranho. Ninguém abria a boca quando alguém gritava fora Temer, nem abre abre a boca agora quando alguém grita fora Bolsonaro. Me parecem todos reacionários. Duas bandeiras do Brasil estão dependuradas na grade que protege a varanda gourmet. Tenho a impressão que todos são palmeirenses, porque em dia de jogo do verdão o movimento é maior nessas varandas que deixam escapar umas lufadas de fumaça, tipo habemus jogo. Queria ter uma visão maior da cidade, sobrevoar as praças, os parques, as vilas, as favelas, ver de perto as laterais dos edifícios, agora coloridas pra ninguém dizer mais dizer que São Paulo é cinza, é feia, é suja, é desumana.

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