O SOL DE DOMINGO

Tudo começou naquele 26 de outubro de 2014, num apartamento de classe média alta, em Belo Horizonte, que todos lá chamam de Beagá. O candidato derrotado vestia uma calça jeans da Osklen, uma camisa social branca com as mangas arregaçadas, um sapatênis sem meias, quando ele colocou as mãos na cintura e olhou a tela da televisão dependurada na sala.

Atrás dele estava o apresentador Luciano Huck, também de sapatênis sem meias, uma calça jeans importada e uma blusa dessas que o João Doria gosta de colocar nos ombros, só que azul.

Espanto.

Minutos antes, o candidato derrotado, ainda considerando-se vencedor, pois havia recebido um telefonema do diretor do Ibope que, anos depois, mudou de nome, mudou para Ipec.

Aquele parabéns, presidente! tinha ficado gravado no seu ouvido durante todos os muitos minutos que antecederam o plantão da Globo, anunciando o resultado parcial, assim que a votação  terminou no Acre, que está sempre três horas atrás dos mineiros, dos paulistas, dos cariocas, de quase todos os brasileiros.

A candidata parcialmente vitoriosa, que vinha perdendo desde que a primeira urna fora apurada, agora estava acelerando o número de votos e caminhava para a vitória, como se fosse um cavalinho do Fantástico galopando com a sua verde.

Perdeu, playboy!

Já imaginou alguém conferir os números da mega sena, ver que acertou os seis números do jogo acumulado e, de repente, fica sabendo que aquele resultado era velho, de semanas atrás?

O perdedor, o segundo lugar, a partir daquele momento passou a ser o culpado.

Um ex-presidente da República e um jogador da seleção considerado um fenômeno, deram meia volta nos aeroportos onde já estavam, rumo a Beagá.

O candidato de calça jeans da Osklen não admitiu a derrota, coçando a cabeça, soltou um:

Népussivel!

Mais mineiro, impossível.

De cabeça, ele fez as contas: Ela vai ficar mais quatro anos no poder, depois do segundo mandato, virá de novo aquele ex-presidente barbudo que deixou o poder com mais de oitenta por cento de aprovaçã. E depois ele ainda vai ser reeleito. Impossível guentá (como dizem os bons mineiros) mais onze anos dessa gente.

Deu uma de São Tomé e, num gesto de desespero, pediu a recontagem dos votos. Não deu em nada.

Foi então que ele pensou: só derrubado esse mulher! E começou a tramar um golpe que veio com o apoio da Rede Globo que, nos dias das manifestações contra ela, seis e meia da manhã, já estavam entrando com flashs de João Pessoa, mostrando sete pessoas numa pracinha.

Veio o golpe, ela caiu, o golpista que era seu vice, assumiu.

O candidato derrotado sonhava que ela levaria junto o seu vice decorativo, abrindo a estrada para novas eleições que ele, claro, venceria.

Só que o tempo fechou e, dois anos depois, de nada adiantou aquela avenida principal transbordando de bandeiras vermelhas e ecoando por todos os cantos um ele não, ele não, ele não!

Ele veio e acabou com a nossa alegria, com o nosso sonho e com a nossa floresta encantada. E nossa história termina como todas as outras começam:

Era uma vez um país…

Eu me lembro bem, era início de mil novecentos e sessenta e quatro, quando o meu pai arrancou o adesivo plástico JK65, do vidro trazer da sua Rural Willys vermelha e branca, ano 1963.

JK 65 não havia mais para nós e seus enormes temores fizeram com que meu pai esfregasse uma flanela com álcool no vidro, para não deixar sombra de dúvida.

Uma tristeza grande tomou conta da família inteira quando ele guardou no cofre aquele adesivo que melava um pouco, culpa do sol de Brasília.

O meu pai estava certo. Não houve mesmo JK 65, nem 66, nem 76, quando ele morreu no meio do caminho. Só tivemos eleição em 1989, quando os brasileiros elegeram um caçador de marajás que, pouco tempo depois, caiu a ficha que era fake.

Nesse meio tempo, amargamos tempos sombrios, prefiro chamar de tempos sombrios ao invés de anos de chumbo. Ou amargos.

Veio mil novecentos e sessenta e oito, a juventude colocou o mundo de cabeça para baixo e o Brasil fechou ainda mais. A morte do estudante Edson Luís, na porta do Restaurante Calabouço, me deixou em alerta e quando foi 1972, fui-me embora do meu país.

Voei nas asas da Varig, com a promessa de só cortar o cabelo quando a ditadura militar acabasse. Promessa comprida até 1980, quando voltei nas asas da abertura e cortei aquela juba de leão, substituindo-a por um corte rente, espetado, quase punk, moda na época.

Desde 1986, passamos a votar regularmente, sem grandes problemas. Veio o Collor, depois o Itamar, o Fernando Henrique, o Fernando Henrique de novo, o Lula, Lula novamente, Dilma, repeteco de Dilma até que veio o golpe e assumiu o Temer.

Depois de Temer, começou o pesadelo, chegamos a esse ponto que chegamos.

Domingo de eleição para mim é um dia sagrado. Não durmo na véspera. Voto no Colégio Rio Branco, em Higienópolis, ninho de tucanos.

Com uma camisa vermelha, as senhoras me olham meio torto e balançam a cabeça negativamente. Eu saio feliz da vida e a democracia continua de pé.

Este ano, mais ou menos.

Com passos firmes desço a Avenida Angélica, rumo a Lapa, onde moro. Venho pensando num velho grito de guerra da Frente de Libertação de Moçambique, a FRELIMO, durante a guerra de independência do país, em 1975.

A luta continua!

[Mais crônicas em http://www.cartacapital.com.br]

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s