O SOL DE SEXTA-FEIRA

Promessa de campanha é promessa de campanha

O picolé de Chuchu virou estrela

Os golpistas estão sumindo na poeira da estrada

Uma menina de ouro

O bom e velho Jaguar na página A2

Os Alckimistas estão chegando!

Rumo ao Planalto

Le Monde diz que bolsonaristas querem a volta do regime militar

Lemos na Folha

A mensagem quase se escondeu na sombra. Quase, porque um raio de sol, enfim, aqueceu a manhã e revelou seis palavras de letras graúdas naquele muro áspero da zona sul de São Paulo.

Leio e releio a pichação em tinta preta.

SÓ QUERO NOSSA AMIZADE DE VOLTA.

O arrependimento pode ser consequência de fofoca, talvez briga. Ou ainda ciúme, inveja. Mas o que é uma frustração diante da amizade? Amigo ou amiga não é o que sabe perdoar?

Leio mais uma vez, agora palavra por palavra.

Adoro o SÓ, que aqui quer dizer tudo. É a amizade e nada mais o que se pede.

QUERO é verbo forte. Querer é poder, dizem.

NOSSA significa de nós dois; fala-se aqui da união entre duas pessoas.

AMIZADE é o motivo de tudo.

Chegamos ao DE VOLTA. É como se dissesse com saudade “como nos bons tempos”. DE VOLTA também evoca a memória da relação. Viagens, aventuras; também segredos, pactos; alegria, tristeza. Quantas experiências de vida uma amizade não acolhe?

Releio o desabafo que desperta atenção no concreto, pelo menos até a próxima mão de tinta. Autor ou autora, jovem ou adulto, ou, por que não, um idoso pichador, assombrado com a chance de um afeto de tantos anos terminar de repente.

Afinal, o que tem força para arruinar uma amizade, pergunto aos meus botões e à parede daquele condomínio?

Minha aposta é a política.

Eleição, nesses tempos em que sobrevivemos, em vez de conquista virou conflito e afastou quem sempre viveu lado a lado. O adversário da discussão passou a ser inimigo. Pensar diferente virou falta grave. Cartão vermelho. Cancelamento.

Especulo um pouco mais, ainda contaminado com o que tantas vezes ouvi entre eleitores enfurecidos: “Você vota em fascista”; “Pior você, que quer eleger um ladrão”. Pai contra filho, sobrinha versus tia, novos ex-amigos.

O alerta está lá pintado em lágrimas de tinta:

SÓ QUERO NOSSA AMIZADE DE VOLTA.

A frase persiste em minha mente como o spray de cor preta entranhado no muro.

Meu devaneio sobre a política como semente de ódio, veneno e outras mazelas provoca o desejo de bulir nos labirintos da amizade.

Estou diante do desafio de escrever uma dedicatória para um amigo. É amigo novo, na verdade, irmão de um grande amigo que virou meu amigo.  Quero ressaltar esses laços e para não repetir “amigo” (só nesse parágrafo foram cinco) peço ajuda ao dicionário.

Lá estão os sinônimos: parceiro, aliado, leal, fiel. Sinto muito, nada disso quer dizer amigo. Amigo de verdade não cai na vala rasa de parceria ou aliança, é muito mais. Diante do amigo, até irmão amado pode ficar devendo.

A MPB nos orgulha entre outras com Meu Caro Amigo, de Chico e Francis, Amigo é pra Essas Coisas, de Aldir Blanc e Silvio da Silva Jr, Amigo, aquele de fé, o irmão camarada, dos reis, Roberto e Erasmo.

Elton Medeiros, espada na música e na vida, não transformava parceiros em amigos, era o contrário: apenas amigos podiam virar parceiros. O sambista da Portela só se apresentou para compor, por exemplo, com Cartola ou Paulinho da Viola, depois que já era íntimo. O mesmo com Antônio Valente e Carlinhos Vergueiro.

No disco em homenagem aos setenta e cinco anos do cantor e compositor está escrito: “Ninguém é parceiro de Elton por acaso. É preciso muita conversa, muito tempo de casa. Parceria para ele é casamento.” Quem assina é Maria Lúcia, possivelmente uma amiga.

Mesmo sem a sabedoria do mestre, a gente logo percebe um futuro amigo, que pode brotar no trabalho, no ônibus, na academia. Presente da vida.

Claudionor, morador aqui do bairro, é desses. Atento para escutar, interessado em perguntar, não cansa da conversa. Já me revelou que quando um amigo pede, atende, mesmo que diga não ao resto do mundo.

No lançamento do livro do sobrinho de um amigo, Claudionor enfrentou chuva, fila, gastou sessenta reais e já sabe: terá que ler e, de preferência, elogiar. Pode parecer chato e cansativo, não pro Claudionor.

Ele me conta que Percival, tio do escritor, é amigo há sessenta e cinco anos. Ficaram décadas afastados, mas a amizade resistiu.

Molecotes, eram vizinhos de vila, um na casa 3, outro na 11. A dupla estudava na mesma sala de aula e jogava no mesmo time. Percival no ataque, já Claudionor, apesar de dono da bola, só tinha vaga como goleiro. Chegaram a dividir a última bala Juquinha num recreio chuvoso. De tão pura, a amizade uniu também as famílias.

Na noite de autógrafos, Ester, a irmã de Percival, disse somente pra puxar assunto.

– E o Lúcio, onde anda?

Lúcio, um menino arrojado. Tirava as meninas pra dançar, arrasava na ponta direita e fazia pipas que empinava com linha cortante, o cerol.

Claro, o Lúcio, aquele de cabelo cacheado, logo Claudionor lembrou visitando a infância.

Lúcio também era amigo de Percival. Quando Claudionor se despediu do Jaçanã, os dois se aproximaram ainda mais. Chegava a adolescência, época de amizades eternas.

Ester só desejava espantar o silêncio, mas a recordação de Lúcio quase engoliu a voz de Percival.

– O que foi? Perguntaram assustados, Claudionor e Ester.

– Ah, o Lúcio. O mais inteligente, o mais divertido. Na briga me defendia, na prova me dava cola, até dinheiro me emprestou. Puxa, nunca mais soube dele. Lúcio, o melhor amigo de minha vida. Não tinha pra ninguém. Percival segurou o choro, bebeu água, mas a tragédia estava feita.

Claudionor saiu de fininho e arrasado. Raiva e ciúme ardiam no peito.

Ainda machucado, ele desabafa com a serenidade de um marido manso, lá no boteco que frequentamos.

– O sambista – o tal do Elton – não dizia que amizade era casamento? Pois é, meu primeiro casório foi com Percival. Nunca imaginei que ele pudesse preferir o Lúcio e jamais admiti alguém no lugar dele.

Claudionor ajeita os poucos cabelos, chama uma cerveja e me olha fundo.

– Sabe, mesmo ferido eu perdoo o Percival. Juro, por ele até minto. Aliás, nessa noite de insônia eu decidi: vou fazer vista grossa para a traição e chamar o Percival pra uma pizza, sabe por quê?

– Por quê?

– Eu também adorava o Lúcio. O Lúcio fez tudo primeiro: namorou, discutiu com os pais, fumou e provou Rabo de Galo com 13 anos. Atrevido, rebelde, cabeludo, o Lúcio era da pá virada.

*Dedico essa crônica a um amigo que prefere ser chamado apenas pela letra J, mas por extenso. O Jota, autor da foto que ilustra a crônica, também é da pá virada.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

O programa Pingos nos Is, da Jovem Pan News, entrevistou a deputada Carla Zambelli, nos Estados Unidos, durante quase uma hora. Os entrevistadores esqueceram de perguntar sobre aquele fiasco em São Paulo, ela com a arma na mão correndo pelas ruas e ameaçando um jornalista negro que, segundo ela, a ofendeu. Que jornalismo é esse?

 

 

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