O SOL DE DOMINGO

Todos os olhos começaram a semana voltados para Sharm el-Sheik, balneário do Egito, onde os todo poderosos discutiam o clima, os riscos, o futuro do nosso judiado planeta Terra. Lula estava lá,  já o presidente da República em exercício, não. Dizem que está deprimido, chateado, mas se lixando para os milhões de brasileiros que votaram nele. Entregou os pontos, dependurou a chuteira, abandonou o barco.

Corre um boato de que ele estaria preparando um golpe, ao lado do general Heleno, com a ajuda de dois soldados e um jipe.

O Brasil ficou aqui, assistindo um bando de malucos, ora ajoelhados, ora orando, ora marchando nas portas dos quartéis. Dando socos nos muros, lamentando a brochada das Forças Armadas.

Uma frase tomou conta do Brasil. Foi dita numa rua de Nova York, assim sem ninguém esperar: Perdeu, Mané! Não amola. As redes sociais são experts em multiplicar coisas assim em segundos. De repente, um seringueiro no Acre estava falando Perdeu, Mané! Não amola. Bem como um caipira mineiro, um sertanejo pernambucano, um carioca maneiro.

Até o Che entrou na roda: Perdio, Mané! No molestes.

Ai morreu Isabel Salgado, a Isabel, a Isabel do Vôlei. Ninguém esperava por essa. Sessenta e dois anos, cinco filhas, cinco netos, tantas vitórias. Foi embora assim tão de repente, deixando saudade.

Só morre gente bacana. Paulo Gustavo, Jô Soares, Marilia Mendonça, Gal Costa, Fernando Campana, Billy Halley. Nunca mais vamos ver a risada de Paulo Gustavo, o beijo do gordo, nunca mais vamos ver Gal dançando o balancê, as palavras de Isabel, uma nova cadeira de Fernando Campana, o requebrado de Billy Halley.

O Brasil já mudou. Tem um presidente eleito e um ex-presidente em exercício.

Os boatos continuam. O MST está pronto para invadir fazendas, assim que Lula tomar posse. O Brasil não é um país sério: uma mulher nua se agarrou na frente de um caminhão e um casal de porcos transaram em plena avenida do bairro do São Bento, em Belo Horizonte.

Os panetones chegaram aos supermercados, as bandeiras brasileiras começam a enfeitar as ruas, o comércio, agora para torcer pelo Brasil. Quinta-feira os brasileiros vão enfrentar os suíços mais precisos do mundo.

Por enquanto, enquanto dois mil e vinte e três não chega, somos todos Pedro Pedreiro, esperando o trem, esperando o aumento para o mês que vem, esperando a festa, esperando a sorte.

Somos todos um indigena descendo de uma estrela colorida, brilhante, de uma estrela que virá numa velocidade estonteante e pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante.

Somos todos Antonico, procurando uma viração pro Nestor que está vivendo em grande dificuldade.

Somos todos a luz das estrelas, a cor do luar, as coisas da vida, o medo de amar.

Somos todos a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma, somos a sereia que dança, a destemida Iara, a água e folha da Amazônia.

Somos todos um pouco Leila Diniz.

Somos poetas, seresteiros, namorados.

Somos aquele que se você me abre seus braços, a gente faz um país.

Exilados, vivíamos a angústia de torcer ou não torcer pelo Brasil. Vínhamos de um tricampeonato no México, que entrou para a história. Como entrou para nossa história, aquela imagem em preto e branco do ditador Emilio Garrastazu Médici levantando a taça Jules Rimet, faturando em cima do povo e consolidando o regime militar, que torturava, matava, sumia com os amigos para nunca mais.

Foi numa tarde de domingo que resolvemos ir a Gelsenkirchen, na Alemanha, ver o Brasil jogar contra o Zaire, torcer em silêncio pro Zaire.

Juntamos todas as notas e moedas de francos franceses, fizemos as contas e vimos que dava pé ir. De carona.

Pegamos a estrada rumo a Alemanha, através de uma das portas de Paris, e fomos caminhando a pé. A ideia não era fazer o que Werner Herzog fez quando estava em Paris e soube que a melhor amiga estava com câncer. Ele saiu caminhando e chegou a Munique.

A primeira carona, num luxuoso BMW, nos deixou a uns 70 quilômetros da cidade luz. Não era muito, mas consideramos meio caminho andado. Ficamos na porta de um restaurante cuja especialidade era gigot d’agneau aux flageolets. Nosso dinheiro não dava nem para passar perto. Lá se foi o primeiro sanduíche que levamos.

De picadinho em picadinho, acabamos chegando em Gelsenkirchen. Ainda não havia Waze, aplicativo nenhum que nos orientasse. Sabíamos que era ali a Copa do Mundo porque um pequeno monumento na entrada da cidade dizia: Willkommen bei Gelsenkirchen! Ou coisa parecida.

A cidade era bem pequena, bem menor do que Belo Horizonte. Fomos caminhando a pé até o centro, passando por lojas de sapatos, roupas, material de construção, carrinhos de salsicha com pão em cada esquina, mas nenhum sinal de Copa do Mundo.

A única pista estava na vitrine de uma loja de discos, enfeitada com todas as bandeiras dos países participantes. Lá no cantinho estava a nossa ordem e progresso.

 

Descobrimos que ali vendiam ingressos e compramos os dois. Em 1974, não havia esse estresse de comprar ingresso pela internet, um ano antes. Comprava-se na hora.

Uns quarenta minutos antes do jogo, já estávamos sentados na arquibancada comendo um sanduiche de pão com salsicha e tomando uma Fanta, a primeira Fanta que vimos com a garrafa verde.

Os times entraram em campo e eu me sentia no Estádio do Independência, assistindo a um América e Democrata. Não havia nenhuma euforia, o que me fazia até a desconfiar se aquele era mesmo um jogo da Copa do Mundo.

O Zaire vestia uma camisa verde com a palavra Leopards escrita na frente.

Jairzinho aos 12 minutos, um a zero. Rivelino aos 66 minutos, dois a zero e Valdomiro aos 79 minutos, três a zero.

E o jogo acabou.

Tristeza em Kinshasa.

Fomos direto para a estrada porque o caminho de volta era longo.

[www.cartacapital.com.br]

 

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