Dezembro sempre foi o mais louco, o mais agitado dos doze meses do ano. Natal, compras de última hora, panetone, peru, festa da firma, presente do amigo secreto, chuva, calor, frio, 25 de Março, Papai Noel suando, fechamento de caixa, as mesmas reportagens de sempre na televisão, parentes que chegam, engarrafamento, décimo terceiro, tudo isso em trinta dias.
Este ano, para completar, temos uma Copa do Mundo no meio de tudo isso. Ninguém quer perder os jogos do Brasil, ninguém quer perder a Argentina perdendo, a Alemanha sendo eliminada, o colorido dos africanos no campo, as figuras exóticas na galera.
OSOL vem aqui propor um dezembro preguiçoso, se é que é possível. Que tal ler o novo livro do ambientalista Ailton Krenak, Futuro Ancestral, que acaba de chegar às livrarias? Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.
Que tal ouvir no Spotify, um disco tipo Academia de Danças, do esquecido Egberto Gismonti? Ouvir uma música depois da outra: Palácio de Pinturas, Jardim de Prazeres, Celebração de Núpcias, A Porta Encantada e por aí vai.
Que tal empilhar as revistas Piauí e ler todas as grandes reportagens que ficaram pra trás, para serem lidas mais tarde, e nunca foram?
Que tal cuidar da horta, colocar adubo natural na terra, tirar com uma escovinha os pulgões dos tomateiros, podar as folhas secas de jambeiro?
Ah, isso é impossível em dezembro!
Sei não, quem sabe?
Estou aqui sonhando com um dezembro junto ao mar, uma rede, bons livros, uma cerveja gelada, uma Alexia pra tocar jazz dos anos 1950. Duke Ellington, Louis Armstrong, Count Basie, Thelonius Monk, coisas assim.
Sei que dezembro vai ser pesado, mas janeiro de 2023 não vai ser igual aquele que passou. Há uma esperança no ar. Esperança de que a Amazônia não vai acabar, que o povo vai voltar a se vacinar, que a fome de milhões de brasileiros vai passar, que todos aqueles moradores de calçada terão sua casa, sua vida.
Só de pensar que mês que vem não teremos mais Jair, Onix, Pazuello, Heleno, Braga e aqueles números de 01 a 04, já está bom demais.
O último encadernador da face da Terra tem nome e sobrenome. O nome dele é Jurandir e o sobrenome Silva, como milhões de brasileiros, inclusive o presidente da República já em exercício.
Apesar de trabalhar pra mim há muitos anos, sei pouco dele. Sei que Jurandir é um encadernador à moda antiga, caprichoso que só ele. Tem uma oficina de encadernação na Barra Funda que herdou do Mario, um japonês que trabalhou décadas com encadernação e depois mudou para o mercado imobiliário.
Olhando assim para as quatro paredes da minha revistaria, acho que todo esse empório foi encadernado ou pelo Mario ou pelo Jurandir.
Coleções completas de revistas francesas – Geo, L’Histoire, Philosophie, Ulysses, Actuel – e muitas brasileiras – Superinteressante, Realidade, Senhor, Pif Paf, Bondinho, Argumento e tantas outras. A paleta de cores do Jurandir é enorme, o que deixou a revistaria bem LGBTQA+: Vermelha, azul, amarela, verde, toda gama de cores.
No século passado, eu costumava levar as revistas para serem encadernadas lá na oficina da Barra Funda, mas de uns tempos pra cá, é o Jurandir que vem na minha casa buscar os pacotes e trazer as encadernações. Tipo Rappi.
Na época em que pessoas colecionavam e encadernavam revistas, o Jurandir vivia atolado de trabalho. Gostava de ir na oficina dele só pra ver aquela montanha de revistas que entupiam as acomodações, ainda cheirando a cola.
Ficava surpreso ao ver que pessoas encadernavam Manchete, O Cruzeiro, Fatos e Fotos, essas revistas que eram consideradas de cabelereiro ou consultório médico.
Conheci o Mario e depois o Jurandir através da turma da Editora Trip, que encadernava com ele há muitos anos. Verdade. Só de Trip, Gol, Personalité, Mais e TPM, era um Everest.
Mas o mundo mudou. As pessoas diminuíram de comprar revistas e muito menos, encadernar. Hoje eu tenho a impressão de que o Jurandir só encaderna as minhas revistas. E eu sou a única pessoa que ainda encaderna revistas.
No meio dessa conversa, eu tenho uma historinha pra contar. É ele que encaderna também, a cada três meses, as folhas de A4 onde escrevo e ilustro diariamente, os Cadernos da Família, um diário ilustrado de um pai, duas mães, quatro filhos, uma neta, um neto e milhões de amigos.
O Mario sabia minha vida toda e de vez em quando ele comentava: Sua filha formou na USP, né? Ele confessou um dia que, antes de encadernar os Cadernos da Família, ele lia página por página. Chegou a me dar os pêsames quando leu que a Vó Romilda tinha morrido.
O Jurandir é mais discreto, nunca comentou nada.
Semana passada, ele levou para encadernar o volume 32 da Piauí, o volume 5 da Quatro cinco um, as três revistas semanais com a vitória do Lula na capa e também mais um volume do Cadernos da Família, talvez o de número 182.
Ontem, recebi um zap do Jurandir dizendo que vai demorar um pouco para trazer as encadernações porque agora ele tem outra atividade e está trabalhando com as minhas encadernações somente aos sábados.
Respondi que era para ele ficar tranquilo, não tinha pressa. Mas fiquei curioso: qual será a nova atividade do Jurandir? Será o mercado imobiliário?