O SOL DE DOMINGO 05.02.23

O que dizer de uma semana em que Glória Maria morreu na quinta e foi cremada na sexta? Os dias correram, um atrás do outro. No domingo, uma visita à ocupação 9 de Julho, mais uma vez. Dessa, deu para pegar o almoço. Mas, antes do almoço uma caipirinha de seriguela para enfrentar o calor de 30 graus. Com açúcar ou rapadura? Rapadura, para relembrar o gostinho da Fazenda do Sertão. O prato na mesa tinha arroz, feijão, chips de quiabo, carne seca, farinha e purê de maçã com molho de tamarindo. Um cardápio aparentemente metido, mas na verdade, nem um pouco metido. Vocês gostaram? pergunta a chef, certamente uma baiana cem por cento. Sim gostamos! Gostamos também da toalha de chita, florida, que nos leva a Minas Gerais ou Rio Grande do Norte. Tanto faz do Leste, do Norte ou do Nordeste. As fotografias das paredes grafitadas coloridas, ilustram esta edição. As palavras de ordem, Moïse e Marielle, presentes! Um morreu de susto, outra de bala, ninguém de vício. Conhecemos o Fidel no colo do pai, ainda sem pernas firmes para andar. Pernas firmes para andar, encontramos o Roberto e a Dani, sentadinhos no chão, ao lado da banca de doces da vovó. Estilosos, ele com a camisa 10 do Neymar, ela com um short de bolinha e uma blusinha branca com flores. Os óculos escuros, um dele, outro emprestado de uma amiga, completam o style, prontos para o ensaio fotográfico. Mil poses. Nem imaginam que estarão na capa do Sol. Um dia antes de Glória partir, um estúpido foi preso: Daniel Silveira, bem cedo na sua casa em Petrópolis. Pegam o home de calças curtas e levaram com ele um punhado de notas de cem e cinquenta reais. Duzentos e setenta mil, mais precisamente. Dessa vez não teve indulto. Cadeia! Na madrugada, fresco ainda no xilindró, um tal Do Val, do vão, Durval ou coisa que o valha, soltou uma bomba em forma de conversa mole, mal contada, quiçá pra boi dormir. Ia ter golpe, um golpe com o padrão Tabajara de qualidade, segundo Xandão. Do Val veio explicar pra nos confundir, confundir pra nos esclarecer, iluminar pra poder cegar, ficar cego pra poder guiar. Por fim, aqui recolhendo lembranças de Glória Maria, a que fazia da vida um show. Lembranças guardadas num baú azul. Bilhetes, offs, fotografias. A tristeza não tem fim, a felicidade sim.

Tirando todo o imbróglio econômico e as falcatruas, assisto aqui a agonia das Lojas Americanas com dor no coração. Não gosto de economia, acompanho o noticiário porque são os ossos do ofício. Mas confesso que o fim das Lojas Americanas me tocou.

Já vi a morte da Varig, por exemplo. Foi nas asas da Varig que fiz a minha primeira viagem de avião, de Belo Horizonte até Brasília, numa época que a capital era puro pó, tratores, projetos, candangos e sonhos. Da janelinha oval com cortininha, vi lá embaixo aquela poeira vermelha subindo em redemoinhos, o que me assustou muito.

Não sei quantas horas de voo fiz na Varig. Muitas, com certeza. Até pra Abidjan, na África, voei nas asas da Varig. Lembro-me bem do tucano na televisão e do refrão: Varig! Varig! Varig!

Já vi também a morte da Mesbla. Lembro-me daquele elevador com porta de sanfona e o ascensorista anunciando a cada andar: Primeiro andar, roupas femininas, sapatos, acessórios. Segundo andar, roupas masculinas, roupas esportivas. Terceiro andar: Eletrodomésticos, utensílios para o lar. No último andar ficavam os brinquedos e foi lá que escolhi a minha primeira Caloi.

Já vi a morte do drops Dulcora, do Crush, do AeroWillys, do Vigilante Rodoviário, da revista Realidade, da camisa Volta ao Mundo, do elefantinho da Shell, dos pratos Colorex, do catálogo telefônico, do Canal 100, já vi a morte de muita coisa.

Mas a agonia das Lojas Americanas me tocou.

A inauguração da primeira Lojas Americanas em Belo Horizonte foi uma festa. Todo mundo foi. Teve balões vermelhos com o nome da loja, discursos e distribuição de balas para as crianças.

Ali, eu me sentia no futuro, na América do Norte que ainda não conhecia, num mundo que se anunciava moderno, onde as pessoas escolhiam a mercadoria e pagava no caixa. Enxerguei ali o fim do Mercadinho Santa Rita, das Lojas Irmãos Reis, do Bar e Lanches.

Toda vez que ia ao centro de Belo Horizonte com a minha mãe, para ela fazer compras, nosso passeio terminava nas Lojas Americanas. Mais precisamente na lanchonete que servia a melhor banana split do mundo.

Eu me sentava num banco muito alto, com assento redondo e estofado em amarelo e quando a mocinha vinha com a banana Split num barquinho de vidro, duas bolas de sorvete de creme, fatias e banana, biscoitinhos enfiados no sorvete e um creme por cima, meus olhos brilhavam.

Não tinha nada melhor nesse mundo do que a banana split das Lojas Americanas.

[cartacapital.com.br]

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