Enquanto os ingleses debatem euforicamente a possibilidade de instituir no país quatro dias de trabalho por semana e, com isso, três dias de folga, por aqui a turma que tem emprego está trampando como nunca. Quantos e quantos brasileiros não acordam às quatro horas da madrugada para dar tempo de acabar de preparar a marmita, engolir um café com pão e ir pro ponto do ônibus?
Que é que você troxe na marmita, Dito?
Troxe ovo frito, troxe ovo frito
E você beleza, o que é que você troxe?
Arroz com feijão e um torresmo à milanesa,
Da minha Tereza!
Quantos brasileiros não assinam um contrato de sete horas de trabalho por dia e ficam na firma, nove, dez horas? Aquele que chega na hora certa e ameaça fechar a gaveta no horário certo, ouve, em coro, dos colegas: já vai?
Um livro publicado na França no final dos anos 1970 chamado Travailler Deux Heures par Jour, assinado por Adnet, provou que se as pessoas trabalhassem para produzir apenas coisas úteis, seria necessário trabalhar apenas duas horas por dia. Sim, o autor considera brincos, broches, enfeites, tudo isso sem necessidade. Enfim, as pessoas trabalhariam menos, mas, sei lá, o mundo seria meio sem graça, sem adereços.
De lá pra cá, nada mudou, a coisa até piorou. Com medo de ficar sem emprego, todo mundo está aceitando fazer qualquer coisa, trabalhar muito, fazer o tampo de duas, três pessoas pra ganhar o salário menor que pagavam para um.
O ideal seria arranjar uma viração para todo mundo, desemprego zero, para todo mundo trabalhar menos, mas todo mundo trabalhar.
Aí sobraria tempo para um futebol na quarta-feira, sobraria tempo para ler uma historia inteira pro filho toda noite, antes dele dormir. Todo mundo ia comer mais devagar, ler mais livros, flanar pelas ruas da cidade, montar aquele quebra-cabeça branco de 1.500 peças, voltar a ler jornal de papel, espremer laranjas ao invés de comprar um Xandô, nadar, caminhar, fotografar, essas coisas.
Vamos ver o que vai dar essa ideia dos ingleses.
[Música citada: Torresmo a Milanesa (Adoniran Barbosa]
Em meados dos anos 1990, a revista Life fez uma lista de coisas que iam desaparecer no futuro. Uma delas, era o dinheiro. Em papel e em moeda. Quando li, achei que esse futuro ainda estava muito longe e que eu não viveria pra ver.
Eu me lembro do meu pai, todo dia primeiro, indo ao Banco do Brasil pra receber o seu ordenado. Ele levava tudo em dinheiro vivo pra casa e, de noite, distribuía as notas em envelopes pardos que entregava para a minha mãe.
Mercado, escolas, luz, gás, telefone, empregada, prestação da Rural, médico, mesada dos filhos… tinha um envelope que era para diversos, e foi com esse envelope diversos, guardados durante anos, que a minha mãe comprou um apartamento na Rua Buenos Aires.
Do meu pai, eu me lembro também que ele guardava as notas de cruzeiro em ordem: 1 cruzeiro, 2 cruzeiros, 5, 10 e assim por diante. O meu pai não era rico, mas andava com uma carteira de couro recheada de notas, de dinheiro. Não sei quanto tinha ali, mas para mim, sempre era muito.
Compositores sempre se inspiraram no dinheiro para compor: Dinheiro, pra que dinheiro? (Martinho da Vila), Não me amarro a dinheiro não (Caetano), Dinheiro, dinheiro, mim gostar de ganhar dinheiro (Ultraje), Não quero dinheiro (Tim Maia) e, no carnaval, todos pulavam ao som de ei, você aí, me dá um dinheiro aí…
Isso sem contar aquele clássico de Paulo Vanzolini: Na Praça Clovis/Minha carteira foi batida/Tinha 25 cruzeiros e o teu retrato/Vinte e cinco/Eu, francamente achei barato/Pra me livrarem/Do meu atraso de vida…
Durante a pandemia, eu passei uns seis meses sem ver a cor do dinheiro. Nem me lembrava mais se tinha nota de dois reais ou não.
Nota de 200, nunca vi uma. Sei que tem porque li no Google.
Uma pesquisa publicada numa revista francesa, revelou que o dinheiro mais sujo do mundo é o dinheiro turco. Foi nas notas de lira turca que o laboratório que fez a pesquisa encontrou mais bactérias.
Minha mulher tem nojo de dinheiro, não gosta de pegar em nenhuma nota, porque acha a coisa mais imunda do mundo.
Você se lembra quando o nosso dinheiro era sujo e rasgava? Era comum ver notas coladas com durex. Tinha gente que não aceitava.
Você se lembra quando o Cildo Meireles criou a nota de zero cruzeiro? E quando carimbaram nas notas Quem Matou Herzog?
Hoje em dia, eu raramente ando com dinheiro, pego em dinheiro. Outro dia estávamos pensando o perrengue que as pessoas em situação de rua devem estar passando. Ninguém mais anda com trocado para dar a eles. Aqueles caras que limpam o parabrisa sem você pedir, não estão faturando mais nada. A não ser que aceitem pix.
Enfim, a Life acertou em cheio. O dinheiro está com os dias contados. Numa caixinha aqui em casa, guardo algumas notas de alguns países só por recordação. Dia desses vou procurar saber quanto está valendo uma nota de 250 dinares, com a cara do Sadam Hussein. Tenho uma novinha. Quem sabe está valendo um punhado de dólares.
[www.cartacapital.com.br]
Bom dia, feliz domingo, meu caro Alberto!
Gostei muito dessa ideia do jornal falado. Parabéns pela estreia e pelos consistentes comentários no balanço da semana.
Abraço.
Concordo com Dinorah, muito boa a versão falada.
Todo dia é dia de SOL.