O SOL DE DOMINGO 05 MARÇO 23

Esta semana, eu fiz uma pequena pesquisa dentro dos ônibus de São Paulo. Nada científico, nada de precisão matemática.   Não se trata de um Datafolha ou coisa parecida, apenas um olhar aqui, outro olhar ali para tentar entender que tanto as pessoas olham pra telinha do celular. Que tanto elas mandam e recebem mensagem, gravam recados, riem para a tela, fazem cara séria, ligam, desligam, colocam na bolsa, olham pela janela e segundos depois, tiram da bolsa novamente. Ninguém mais consegue viver sem estar olhando para a tela de um celular. Meu trabalho foi mesmo de bisbilhoteiro, confesso. Dizem que é falta de educação e eu sei que é, mas precisava matar minha curiosidade, uma curiosidade que surgiu no dia a dia dentro de um ônibus, na sala de espera de um laboratório, em qualquer lugar. Matei a pau! O resultado foi o seguinte: de manhã, é um número imenso de mensagens que chegam, aquelas mensagens ilustradas com flores, geralmente rosas, e de imagens de santos. Todas elas retiradas da internet, desejando um bom dia, um dia de muita bondade e paz. Todas aconselham passar o dia com o Senhor ao lado, na proteção, no acolhimento. Nenhuma mensagem falan de racismo, homofobia, feminicídio. São mensagens meio cafonas com um visual bem cafona. Muitas pessoas jogam um joguinho cheio de quadradinhos de várias cores. Ficam mexendo nesses quadradinhos o tempo todo. Não sei se vencem ou perdem no final, ou trata-se apenas de um passatempo. Muitos vêem séries da Netflix e da Globoplay. Alguns estão conectados com o fone de ouvido e na tela, apenas uma nota musical. Não sei se ouvem música gospel, funk, hip-hop. Desconfio que talvez sertanejo. As mensagens que chegam são geralmente perguntas: deu pra fazer os exames? acha que vai dar pra chegar no horário? os meninos ficaram com a Lurdes? Deixou ração pro Tobias? Mamãe acordou melhor? Corações, uns vermelhos, outros roxos chegam e são enviados a todo momento. Não sei o sentido de um coração roxo. Paixão avassaladora? Algumas mensagens de voz são enviadas em voz alta: Dona Esther, já estou chegando, estou na Avenida Angélica, o trânsito está horrível. Outras chegam para que todos ouçam: Você fechou bem a porta da garagem? A resposta, meio envergonhada, vai em voz baixa: fechei sim! Mas, na verdade, a maioria das pessoas estão no Instagram vendo besteiras: cachorro com cara lambida porque fez besteira, gente dançando na sala ao som de Caneta Azul, videocassetadas, pegadinhas e mais pegadinhas dignas de um Silvio Santos. Memes japoneses, coreanos, indianos, memes os mais variados. Tem gente também conectado nos blogs do Corinthians, do Palmeiras, do São Paulo. Vi um do Flamengo. Cheguei ao ponto final. Ou foi o mundo?

[A ilustração é do polonês Pawel Kuczynski, mestre em retratar o admirável mundo em que vivemos]

A publicidade já recorreu a muitos bichos como garotos-propaganda. Quem tem mais de sessenta anos, vai se lembrar muito bem do tucano da Varig, aquela ave simpática que voava pelo Brasil inteiro.

Vai se lembrar também do Elefantinho da Shell e do elefantão do extrato de tomate da Cica. A Mônica e o Jotalhão eram adorados pela criançada.

E o cachorrinho da Cofap? Aquele cachorrinho basset mudou de raça, virou o cachorrinho da Cofap. Até hoje vejo inúmeros passeando pela rua, que levam o nome do amortecedor.

Quem não se lembra que, no início da década de 1970, que todo mundo punha um tigre no seu carro?

E galinha azul da Maggi?

Tem até produtos com nomes de bichos. É o Sal Cisne, o desinfetante Pato, o azeite Galo, a caninha Pitu e também a Tatuzinho, cujo jingle todo mundo se lembra:

Ai tatu, tatuzinho

E abre a garrafa

E me dá um pouquinho…

Agora vamos falar do leão.

No final dos anos 1970, ele pediu demissão da Metro Golden Mayer e aceitou uma proposta irrecusável da Receita Federal.

De repente, ele apareceu num comercial em rede nacional como garoto propaganda do governo Federal, sem concurso, sem nada. 

A agência que teve essa ideia de transformar o rei dos animais em funcionário público, argumentou que ele foi escolhido, considerando-se que o animal tinha quatro características muito importantes:

É o rei dos animais, mas não ataca sem avisar

É justo

É leal

É manso, mão não é bobo

Há controvérsias.

Com ou sem controvérsias, a verdade é que a ideia do leão da receita pegou.

Mesmo depois de sua demissão, poucos anos depois, nunca se deixou de falar dele, todo início de ano. Tem décadas que o leão não trabalha mais pro governo, mas a imprensa insiste em dizer que está chegando a hora de você acertar as contas com o leão.

Essa geração nova, não faz a menor ideia que diabo de leão é esse. É um caso talvez único na propaganda em que mesmo fora do ar há décadas, ele continua no top trend.

Slogans, a gente sabe que tem muitos que pegam para sempre:

Se é Bayer é bom

Bom Brill tem mil e uma utilidades

Não é uma Brastemp

Rinso lava mais banco

O banco que está a seu lado

A Bayer continua aí, o Bom Brill e a Brastemp também. Mas, mesmo que o sabão em pó Rinso sumiu do mapa, tem gente que ainda fala que Rinso lava mais branco e que o Banco Nacional, mesmo falido, é o banco que está a seu lado.

Bom, chegou a minha hora. Lá vou eu acertar as contas com o leão… 

[www.cartacapital.com.br]   

Um comentário em “O SOL DE DOMINGO 05 MARÇO 23

  1. Bom domingo de sol pra todos com as incríveis obras de Lucian Freud.
    Como não se comover com a foto do adeus na Ucrânia?
    Com memória de elefante, Villas nos leva ao zoo da publicidade, depois viaja como detetive e espiona as telas.
    Em tempo: ainda bem que a Lurdes chegou na hora.

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